segunda-feira, 20 de abril de 2009

Frango d´água

Conto de Jopin Pereira

– Seu Zé, o senhor precisa saber disso. Eu achei legal pra caramba. Precisava te contar.

Cristina já vai abrindo a porta e irrompendo pela sala, sem ao menos depositar as suas tralhas na mesa. E destrambelha a falar, como sempre. Nem um bom dia ou outro cumprimento qualquer. Mas não é falta de educação, ela é assim mesmo. Cristina é a minha faxineira.

– Mas o que aconteceu? Por que essa pressa? – pergunto, mesmo já acostumado ao seu jeito.

– Não, seu Zé, tenho que falar logo se não começo a trabalhar e esqueço, o senhor pode sair e eu fico sem te contar a novidade – diz isso entre um misto de riso, alegria, ar de fofoca, até mesmo uma inconsciente sabedoria.

Eu, sentado ao computador, paro o que fazia para esperar pela sua fala, em que até revira os olhos de satisfação, na ânsia de trombetear o fato: – Sabe, seu Zé, é a minha amiga Marcela, lá de Itaipu. Ela descobriu um meio de economizar. Dá trabalho, mas é bom.

– Fala, Cristina. Eu tenho que sair agora e não gosto de ficar por aqui quando você está, pois atrapalho o seu serviço. Fico pulando pra lá e pra cá pra dar espaço pra você trabalhar. Desembucha logo!

Depois de todo um ar de anunciação e “montagem do cenário”, ela começa: – Ontem eu fui trabalhar na casa da outra patroa. Quando comecei a fazer o almoço faltou algumas coisa e lá fui eu, no mercado, quando encontrei a Marcela. Mais tarde, tive que voltar lá e encontrei de novo.

Já estou impaciente com o seu relato teatralizado. Acho que vai ser uma coisa muito boba. Ela adora falar e chamar a atenção para si, que penso que vai ser mais uma daquelas histórias esdrúxulas e sem sentido com a qual ela chega de vez em quando.

– E aí, Cristina? O que tem a ver o economizar que você falou com esse negócio de rmercado?

– Seu Zé, não queira nem saber. Nas duas vezes que fui lá, encontrei Marcela com um carrinho cheio de frangos empurrando pra lá e pra cá. Na primeira vez, devia ser umas nove horas, tudo bem. Dei um “oi” e fui comprar o que precisava. Na segunda vez, lá pelas onze e meia, encontro Marcela de novo, rodando que nem peru, pelas gôndolas do mercado. Eu achei aquilo estranho e perguntei por que ainda estava ali. Ela me olhou meio sem jeito, meio envergonhada. Olha só “seu” Zé, assim – e tenta repetir a expressão -, numa micagem que me fez rir.

– Anda logo com essa história, você tá enrolando muito, – digo eu, já desligando o computador e me levantando, gesto que ela percebeu e captou a minha impaciência.

– Ta bom, seu Zé, vou falar logo. Aí eu perguntei por que ela ainda tava ali, quase duas horas, rodando com um carrinho cheio de frangos. Pensei até que tinha ficado ruim das idéia. Sei lá, né? Ah, seu Zé, o senhor tem que saber. É o pulo do gato! Vou te falar, direitinho, como ela me contou:

─ “Sabe Cristina, tu não conta isso pra ninguém, hein? É um jeito que eu descobri de enrolar esses cara do mercado que só qué roubar a gente. Sabe cumequié, né, Cris? Eles sempre faz promoção de frango hoje, na quinta. Mas o frango é gelo puro. Parece que na promoção o bicho fica mais congelado ainda. Hoje só tenho faxina de tarde, então eu venho cedo, trago meu radinho, coloco uns frango no carrinho e fico passeando pra lá e pra cá, prus bicho descongelar. Não descongela tudo, mas dá pra derrete quase a metade da água e aí o preço fica mais baixo, né? Tô contando pra você que é minha amiga, hein? Eu já conheço o segurança, e ele não me incomoda no meu “passeio da economia”. Faz também, Cris, mas vem de tarde, não quando eu venho, senão dá mancada. Gostou?”

Eu fico pasmado. Não sei se rio, se critico, se aprovo, mas a vontade é de dar uma sonora gargalhada. No entanto, o meu senso diz que aquilo não é uma brincadeira. É mais uma atitude de necessidade, de sobrevivência, que resvala até na falta de dignidade que as pessoas mais carentes são obrigadas a adotar. E logo sou surpreendido com o seu pedido:

– Seu Zé, eu queria te pedir um favorzinho. Olha só, eu faço faxina aqui na tua casa, na terça e na quinta. Eu podia mudar da quinta pra sexta, e poder ir de tarde lá ao mercado fazer esse esquema dela? Ela até já me apresentou pro segurança pra eu não ter problema. Ela me disse que naquele dia economizou cinco reais, e que deu pra comprar um pacote de cinco quilos de arroz.

Diante desse depoimento, como eu deveria responder ao seu apelo? É evidente que deveria concordar.

– Tudo bem, Cristina, pode mudar pra sexta. Mas vai ter um preço.

– Que isso, seu Zé! Que preço é esse?

–Trazer uns dois frangos d’água desses pra mim também, tá?

Jopin Pereira

6 comentários:

Beta Bernardo disse...

Adoreiiiiiiii!!! ahahaha
Além de cheiro de comida boa isso aqui tem contos e risada!! Bom demais!!
Bjks, Beta

Nicinha disse...

Cômico demais essa história...Muito legal mesmo..Poderia da uma ajudinha a mais e dizer que o brasileiro é o povo mais criativo que já vi na vida.
O que seria de nós sem a tal criatividade ?
A Cristina sabe enrolar bem, é uma ótima contadora, também já estava ficando impaciênte, sabe aquele livro que a gente quer ir logo para o final da página para vê no que vai dar?
Esse blog está bem legal.Parabéns, pelo conto do Frango d' água.
Abraço Nicinha

Faby disse...

Olá João! Passei para conhecer a "casa" nova e desejar muito sucesso para o novo blog ok?

Um beijo doce,
Faby
www.rainhasdolar.com

Blog do Jopin disse...

Olá, Beta,
fico feliz e agradecido com a sua a presença e principalmente saber do “efeito sabor” que o conto levou até você. Outros virão. Bijus do Jopin
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Olá, Nicinha,
obrigado pelo comentário e os parabéns. Cristina é um fenômeno; tenho mais umas historinhas dela em fermentação que, logo alcancem o “ponto de assar”, serão servidas aos comensais do “Sabor e Alquimia”. E o legal é que encontramos essa criatividade em brasileiros de qualquer “casta” (o termo está na moda devido à novela Caminho das Índias..rs).
Bijus do Jopin
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Olá Faby,
obrigado pela visita e incentivo ao nosso blog, em fase de fermentação (as Rainhas do Lar entendem bem disso..rs).
Bijus do Jopin

Verônica Cobas disse...

Olha que a dica da Cristina é muito boa. Nunca tinha pensado nisso. Embora cozinhe muito pouco em casa, vou repassar a orientação sobre o frango d´água e, principalmente, sobre como fazer do passeio pelos corredores do supermercado um trajeto de economia e não de gastança.

bjs. Veronica

Blog do Jopin disse...

24abr09_Tem razão, Verônica, a sabedoria popular ensina coisas, que nem as teorias dos economistas de plantão podem alcançar, com atitudes de praticidade e de bom humor. Já marquei uma entrevista dela com o “Dr. Economia” do Fantástico, o professor Luiz Carlos Edwald, para dar umas dicas por lá...rs... Obrigado pela presença. Bijuss do Jopin

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